Secção 9: A viragem empírica no estudo da variação linguística em ecologias lusófonas
Coordenação
- Víctor Lara Bermejo (Universidad de Cádiz)
victor.lara[at]gm.uca.es - Miguel Gutiérrez Maté (Universität Augsburg)
miguel.gutierrez.mate[at]uni-a.de - Katharina Gerhalter (Universität Graz)
katharina.gerhalter[at]uni-graz.at
Resumo
A língua portuguesa é uma das poucas que, através de ecologias (Mufwene 2001) muito diversas, são faladas globalmente, atingindo quatro continentes e diferentes etapas na implantação do português na geografia mundial. No entanto, apesar da riqueza linguística que as gramáticas apontam, a maioria dos estudos que têm sido feitos focaram-se numa série de traços, descritos às vezes superficialmente, ou tentaram apenas dar uma explicação à variedade por meio de teorias baseadas na introspecção de falantes nativos sem um trabalho de campo prévio.
Nas duas últimas décadas, observamos uma viragem empírica no estudo das variedades lusófonas que veio aliviar algumas carências: especialmente no que diz respeito ao estudo do português europeu e, em parte, do estudo do português brasileiro, que, influenciado pela sociolingüística laboviana, tem uma longa tradição, por exemplo, na aplicação de estatística inferencial a fenómenos de variação lingüística (no que diz respeito às pesquisas sobre as línguas crioulas portuguesas e as variedades lusófonas em contato com línguas crioulas, acreditamos que, embora ultrapasse claramente outras tradições de estudos crioulos - por exemplo, as que lidam com as línguas crioulas hispânicos - ainda existem poucos trabalhos de natureza marcadamente empírica, apesar das contribuições como a de Bouchard 2017 sobre o português de São Tomé).
Esta viragem é o resultado de um processo continuado de levantamento de dados (veja-se o mapeamento das formas de tratamento da área do sudoeste ibérico em Lara Bermejo 2020, o estudo de Braga Mattos 2021 sobre a variedade afro-brasileira em Kalunga, ou os estudos sociolinguísticos de Bazenga 2022 sobre as construções existenciais em Madeira) e utilização de técnicas de elicitação (Lara Bermejo 2016), além da criação de bases de dados para fins linguístico-tipológicos fundamentadas em entrevistas de trabalho de campo (como o Portal de Variedades do Português coordenado por Braga Mattos e Oliveira) e de corpora dialetais (como o CORDIAL-SIN), de diferentes registros discursivos (como Post Scriptum, Corpus do Português) ou anotados para certos fenômenos gramaticais (como advérbios no corpus de entrevistas Discurso & Gramática, vid. Votre et al. 2020).
Estas ferramentas revelaram-se fundamentais para a compreensão da evolução do português ao longo dos séculos e, em muitas ocasiões, levaram ao conhecimento de fenómenos linguísticos que quase não tinham sido descritos anteriormente (vid. Bazenga 2022 sobre o uso de ter existencial no português europeu). Estes resultados não só cobrem o português europeu, mas abrangem também o brasileiro e as distintas variedades e crioulos de base portuguesa na África e na Ásia (pode-se pensar em projetos dialetológicos recentes ‒ com interesses e metodologia parcialmente sociolingüística ‒ como o Atlas Linguístico do Estado de São Paulo (ALiESP), coordenado por Almeida, ou o atlas do cluster de línguas crioulas da Alta Guiné [Quint, no prelo]). Igualmente, os estudiosos conseguiram analisar empiricamente, por exemplo, as dinâmicas de code-switching em comunidades lusófonas da diáspora (Stell e Parafita Couto 2021) ou em línguas crioulas sob a influência de diferentes línguas pós-coloniais (v. Hagemeijer, no prelo, sobre o peso do espanhol no fá d’Ambô).
Em consequência, nesta secção, convidamos os participantes a enviarem propostas que tratem no português como língua global, em ecologias monolingues ou multilingues, ou nas línguas crioulas de base lexical portuguesa, e cujos dados provenham de uma metodologia empírica em termos de coleta e/ou processamento e análise de dados. O propósito não é outro que dar conta, a partir desta perspectiva, do desenvolvimento, variação e uso real dos distintos fenómenos morfossintáticos, lexicais, fonéticos ou de outra natureza no complexo contínuo de variedades lusófonas e refletir sobre este progresso em comparação com outros continua variacionais de línguas internacionais com uma história colonialista que dispõem das mesmas ferramentas empíricas de estudo (como no estudo dos World Englishes ou das variedades do espanhol).
Bibliografia
Almeida, Manoel Mourivaldo Santiago (em prep.): Atlas Linguístico do Estado de São Paulo (ALiESP).
Bazenga, Aline (2022): Sobre ter e haver em construções existenciais no português europeu: as avaliações de falantes cultos (Funchal e Bragança), in: Cuadernos de la ALFAL, 181-202.
Bouchard, Marie-Eve (2017): Linguistic variation and change in the Portuguese of São Tomé. Tese de doutoramento. New York: New York University.
Braga Mattos, A. (2021): “The Afro-Brazilian community Kalunga: Linguistic and sociohistorical perspectives”, in: Perez, D/ Sippola, E. (eds.): Postcolonial Language Varieties in the Americas. Berlin; Boston: De Gruyter, 207-236. https://doi.org/10.1515/9783110723977-007
CORDIAL-SIN = Martins, Ana Maria (coord.) (2000- ): CORDIAL-SIN: Corpus Dialectal para o Estudo da Sintaxe / Syntax-oriented Corpus of Portuguese Dialects. Lisboa, Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. http://www.clul.ulisboa.pt/en/10-research/314-cordial-s
Davies, Mark (2006- ): O Corpus do Português: http://www.corpusdoportugues.org
Hagemeijer, Tjerk (no prelo): “Spanish influence on Fa d’Ambô”, in: Cerno, L./ Döhla, H.J./Gutiérrez Maté, M./ Hesselbach, R./ Steffen, J. (eds.), Contact varieties of Spanish and Spanish-lexified contact varieties. Berlin: De Gruyter.
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Lara Bermejo, Víctor (2020): “Forms of address in the south-western Sprachbund of the Iberian Peninsula: one hundred years of evolution in western Andalusian and European Portuguese”, in: Hummel, Martin/ Lopes; Célia (eds.): Address in Portuguese and Spanish: Studies in diachrony and diachronic reconstruction, Berlin: Mouton de Gruyter, 71 – 109.
Mattos, Ana Paulla Braga/ Oliveira, Márcia Santos Duarte de/ Souza-Junior, Cleônidas Tavares de (eds.): Portal de Variedades do Português (PVP). São Paulo: FFLCH-USP. http://pvp.fflch.usp.br
Mufwene, Salikoko (2001): The Ecology of Language Evolution. Cambridge: Cambridge University Press.
Post-Scriptum = CLUL (ed.) (2014): P.S. Post Scriptum. Arquivo Digital de Escrita Quotidiana em Portugal e Espanha na Época Moderna. http://ps.clul.ul.pt
Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB): https://alib.ufba.br/
Quint, Nicolas (in Druck): Atlas des langues créoles du Cap-Vert (Sotavento), de Guinée-Bissao et de Casamance. Limoges: Lambert-Lucas.
Saramago, João (coord.) (2012): Atlas Linguístico-Etnográfico dos Açores, ed. digital. Direção Regional da Cultura dos Açores. http://www.culturacores.azores.gov.pt/alea/
Stell, Gerald, M. Carmen Parafita Couta (2012): “Code-switching practices in Luxembourg’s Portuguese-speaking minority: A pilot study on the distinctive characteristics of an immigrant community’s code-switching practices within a trilingual majorit”, in: Zeitschrift für Sprachwissenscahft 31, 153-185.
Votre, Sebastião, Mariangela Rios de Oliveira/ Cunha, Maria Angélica Furtado da/ Gerhalter, Katharina (2020): Corpus of Brazilian Portuguese Adjective-Adverbs, mente-Adverbs and Prepositional Phrases in Corpus Discurso & Gramática. In Gerlinde Schneider, Christopher Pollin, Katharina Gerhalter, Martin Hummel (eds.): Adjective-Adverb Interfaces in Romance. Open-Access Database. https://gams.uni-graz.at/o:aaif.ptapmdeg
Cronograma
Resumos
Palestrantes convidados
- Ana Paulla Braga Mattos (Universität Aarhus)
- Márcia Santos Duarte de Oliveira (USP)
- Manoel Mourivaldo Santiago Almeida (Universidade de São Paulo)